Perspetivas (décima   abordagem)

 Na esplanada os dois Homens-criadores apercebem-se da chegada dos adolescentes. Trocam entre si olhares de suave censura. São Deuses-criadores-menores , como tal, têm conhecimento da poderosa energia que emana dos dois machos imberbes. Invejam-na pelas sensações há muito perdidas. A consolidação do seu poder como Deuses retirou-lhes essa energia primordial. Hoje, sabem que ela existe, sabem que nunca a poderão recuperar. Os cetros que transportam consigo são prolongamentos úteis das suas memórias, dessas construções sedimentares cujas camadas protetoras impedem essa energia de fluir nos seus corpos. Os dois jovens entram no estabelecimento comercial. Demoram-se um pouco à entrada enquanto comentam sobre coisas visionadas. Fazem-no em voz alta, entoação juvenil em formação, modelação periódica com anomalias de descontrolo arrebatado. Após breve período de condescendência os Homens-criadores manifestam agora o seu enfado que rapidamente se converte em desconforto. Os adolescentes são alheios convictos à perturbação provocada. Numa avaliação superficial poder-se-ia facilmente chegar à conclusão  de que, primeiro, a perturbação fazia parte dos seus intentos, jogo iniciático de testa limites, segundo, o objetivo da sua visita ao estabelecimento de consumo calórico tinha intenções puramente lúdicas e poderia perfeitamente ter sido evitado e em terceiro lugar que, de acordo com as duas primeiras premissas, os dois jovens imberbes, tendo cumprido os seus desígnios, sairiam pela porta fora rindo satisfeitos, convictos de ter destabilizado o mundo castrador dos Deuses-criadores. Embora racionais e possíveis estas conclusões não se adaptam a este caso concreto.

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