OS OLHOS DO GATO I
Da janela do meu quarto a cidade que se estende perante os meus olhos não é minha. Num prédio afastado algumas dezenas de metros uma janela aberta permite que a figura de uma jovem seja visível a partir do local onde me encontro. Vejo a sua silhueta, uma sombra escura provocada pela luz interior, braços ao longo do corpo e cabeça levantada numa postura cismática. Num relance pressinto uma figura voante libertando-se. No crepúsculo do entardecer a forma alada perde-se em direção ao astro-rei que procura repouso no horizonte. Nas ruas desertas acumulam-se destroços de paredes em ruinas. Lentamente as trevas cobrem a cidade. O céu estrelado dá lugar ao manto plúmbeo que se ergue um pouco acima dos edifícios mais elevados. No meio deste manto abre-se uma fresta de onde sai um raio de luz que atinge a cidade num ponto específico. A silhueta permanece imóvel na janela. Alguns dos pormenores que a poderiam identificar, estão agora cobertos pela escuridão. O seu contorno, no entanto, acentuou-se, e ganhou vida no contraste entre a luz do quarto e o negrume exterior.
(A partir do livro "Os Olhos do Gato" de Moebius & Jodorowsky. Interpretação livre)
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