OS OLHOS DO GATO III

Sob a estrutura metálica o animal observa o feixe de luz. No seu olhar a curiosidade e o receio misturam-se. O seu corpo, totalmente imóvel, apresenta a postura de uma estátua decorativa. Para além do zumbido metálico omnipresente ouvem-se esparsos estalidos vindos dos escombros amontoados no interior dos edifícios em redor. No meio da aparente ausência de vida estes sons são testemunho da existência clandestina, raramente visível, de seres menores habituados a ocupar a obscuridade do mundo. Entretanto, o deslizar corpóreo de uma silhueta nocturna percorre o céu em círculos de epicentro indefinido. A imobilidade do animal é finalmente quebrada. Saído de uma reentrância na parede de um dos edifícios, o animal felino, agora revelado na sua plenitude, avança silencioso em direção ao feixe de luz. Cuidadosamente, circunda o circulo luminoso desenhado no chão até que se imobiliza sentando-se junto dele e permanecendo na penumbra. Experimenta-o, à vez, com ambas as patas dianteiras, retirando-as de imediato e aguardando expectante pelo efeito provocado. Parecendo satisfeito com o resultado ergue-se e penetra totalmente no circulo luminoso, deixando-se banhar pela luz o que o leva a cerrar os olhos ao mesmo tempo que cessa o movimento. Após esse breve momento de hesitação abre os olhos e percorre o interior do circulo até se imobilizar no seu centro. Senta-se, e ai permanece numa pose natural de felino satisfeito. Lá no alto, por cima dos mais altos edifícios da cidade, algo se agita. Da janela do meu quarto observo a silhueta da mulher que permanece aparentemente imóvel. Num repente apercebo-lhe um ligeiro movimento de cabeça que não consigo confirmar. Nos meus ouvidos uma frase não ouvida, aparentemente sugerida, traduz-se em qualquer coisa de perceptível...é agora...rápido minha guardiã alada...

(A partir do livro "Os Olhos do Gato" de Moebius & Jodorowsky. Interpretação livre)

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